Para cá vieram, 400 anos atrás, religiosos europeus que propuseram à nossas antigas comunidades viver na forma das chamadas missões jesuíticas. Como vieram em paz e como o que propunham pareceu, aos olhos dos nossos antigos, bom, foram aceitos e assim surgiram os Sete Povos das Missões, envolvendo os territórios do atual Brasil, Argentina e Paraguai.
No entanto, o poder político e econômico de Portugal e Espanha, no século XVIII, entendeu que aquelas missões e os povos que delas participavam eram uma ameaça a suas pretensões de dominação colonial nestas terras americanas. Como conseqüência, os exércitos de Portugal e Espanha, juntos, desataram toda sua violência contra nossas comunidades.
Com sua guerra e suas armas, espalharam o terror e a morte em nossos campos sagrados. Nosso grande herói, SEPÉ TIARAJU, liderou a resistência de nosso povo e por isso foi assassinado no dia 7 de Fevereiro de 1756. Pouco tempo depois, cerca de 1500 guerreiros de nosso povo foram massacrados pelos exércitos invasores nos campos de Caiboaté.
Durante estes dias, em que relembramos todos estes episódios de luta e dor da nossa História, homenageamos o inesquecível Sepé Tiaraju e fomos até os campos de Caiboaté, chorar e homenagear nossos mortos, 250 anos depois do terrível massacre.
Realimentados e fortalecidos pelo espírito e pelo sangue de nossos antepassados, conscientes de que esta terra sempre pertenceu ao nosso povo e que dele foi roubada, nos dirigimos às sociedades e aos estados brasileiro, argentino e paraguaio.
No caso do Brasil, apesar da Constituição Federal de 1988 ter reconhecido nossos direitos como povos e ter mandado demarcar todos os nossos territórios num prazo de cinco anos, muito ainda falta ser feito. Apenas cerca de 40% dos territórios indígenas foram demarcados e homologados. O sistema judiciário brasileiro tem agido, em muitos casos, como instrumento dos invasores, tanto no âmbito estadual como federal. Exemplo disto foi o violento despejo na Terra Indígena Nhanderu Marangatu, no estado de Mato Grosso do Sul. Este território já estava demarcado e homologado, no entanto, a comunidade indígena que lá vivia foi violentamente expulsa no dia 15 de Dezembro de 2005 pela polícia federal, devido a ordem vinda do Supremo Tribunal Federal, que acatou ação judicial dos fazendeiros invasores. Ameaçada pelas armas, a comunidade de Nhanderu Marangatu foi para a beira da estrada e lá, o líder Dorvalino Rocha foi covardemente assassinado por pistoleiros que trabalham para os invasores da Terra Indígena.
No caso da Argentina, também existe uma Constituição Federal que reconhece os direitos originários dos povos indígenas. No entanto, por falta de vontade política e pela ação dos inimigos, a lei maior do país não é levada à prática. Não chegou até as Constituições Provinciais o reconhecimento dos direitos indígenas. Devido a esta situação, os problemas mais aflitivos de muitas comunidades indígenas na Argentina seguem sem solução ou providências que possam resolvê-los, resultando no fato de 75% dos territórios não estarem ainda reconhecidos e titulados.
No caso do Paraguai, políticos inimigos dos povos indígenas tentaram aprovar uma chamada "Lei Indígena", às escondidas e sem a consulta às comunidades que seriam diretamente afetadas por suas conseqüências, em todos os aspectos de sua vida. Somente com uma forte mobilização indígena e de nossos aliados foi possível fazer o poder legislativo recuar ante a violência que estava prestes a cometer.
Apesar deste recuo, a situação dos territórios indígenas no Paraguai é escandalosa, com a maior parte dos territórios insuficientes e não reconhecidos. Esta situação desagregadora causa a migração de famílias indígenas para as cidades no Paraguai, assim como ao Brasil e à Argentina, expulsos de sua terra original. Ironicamente, muitos invasores que se apropriam de nossos territórios indígenas no Paraguai são empresários brasileiros, gerando uma situação de profunda injustiça e miséria, que nos faz lembrar da violência colonial.
Nestes dias em que estivemos juntos, na Assembléia Continental do Povo Guarani, não comemoramos os episódios de 250 anos atrás, mas retomamos a memória do que ocorreu ao nosso povo para refletir, aprender e seguir lutando por nossos direitos, principalmente pelo sagrado direito à terra, com força e determinação. Sepé Tiaraju continua vivo na luta dos povos indígenas da América Latina. Nos 250 anos de sua morte, Sepé Tiaraju multiplicou-se em milhares de lutadores e lutadoras do Povo Guarani, dos Povos Indígenas e todos os Povos Latinoamericanos.
Declaração da Assembléia Continental Guarani em São Gabriel, RS
guerreiro guarani, nascido em data desconhecida no aldeamento jesuítico de São Luis Gonzaga, na região de Sete Povos das Missões, no atual Rio Grande do Sul. Foi batizado com o nome cristão de Joseph e em 07 de Fevereiro de 1750 mudou-se para a Missão de São Gabriel, na região da Campanha gaúcha.
Tornou-se líder indígena na Guerra Guaranítica em defesa da terra e dos rebanhos guaranis contra as tropas luso-brasileiras que, de acordo com o Tratado de Madri (1750), passavam a ser posse da Coroa Portuguesa.
Viviam na região dos Sete Povos das Missões aproximadamente trinta mil guaranis. Somando-se os do Paraguai e da Argentina, alcançaram um total estimado de oitenta mil indígenas, que habitavam em aldeias planejadas, organizadas e conduzidas como verdadeiras cidades. O interesse luso-brasileiro por esta extensa região deveu-se, além da posse territorial, ao gigantesco rebanho de gado, o maior das Américas, mantido por esses mesmos indígenas.
Pereceu em combate contra o exército espanhol na Batalha de Caiboaté, às margens da Sanga da Bica, na entrada da cidade de São Gabriel, durante a invasão das forças inimigas às aldeias dos Sete Povos. Após sua morte pereceram aproximadamente 1.500 guaranis diante das armas luso-brasileiras e espanholas.
Por seus feitos, passou a ser considerado um santo popular (embora sem reconhecimento da Igreja Católica) e virou personagem lendário do Rio Grande do Sul. Sua memória ficou registrada na literatura por Basílio da Gama no poema épico "O Uruguay" (1769) e por Ério Veríssimo no romane "O Tempo de o Vento". É-lhe atribuída a exclamação: "Esta terra tem dono!".
Como homenagem ao heroísmo e à coragem de Sepé Tiaraju, a rodovia RS-344 recebeu o seu nome. Existe também no Rio Grande do Sul o município de São Sepé, nome que reflete a devoção popular pelo herói indígena.